"Sêu Nico é um andarilho noturno que escolheu as madrugadas para plantar flores pelas ruas de Santa Isabel, e faz isso há mais de um ano
O dia ainda está longe de amanhecer e Sêu Nico sai de sua casa a peregrinar pelas ruas de Santa Isabel. No caminho que faz todas as madrugadas vai de lixeira em lixeira recolhendo pedaços de móveis, brinquedos abandonados, além de outros materiais recicláveis. Nico tomou para si a missão de dar um destino a esses objetos, sem vende-los transforma o que pode em vasos de flores, um jeito de plantar vida em objetos que se tornaram obsoletos.
Sêu Nico é na verdade Maximínio de Camargo. Por ironia do destino, o andarilho das madrugadas isabelenses tem o mesmo nome de uma das ruas da cidade. Há poucos metros da sua casa, que fica no numeral 1.090 da Avenida Prefeito João Pires Filho, está a Rua Maximínio Antônio de Camargo. O homenageado que dá nome a via, era avô de Sêu Nico.
A casa onde mora é a herança que recebeu com a morte dos pais. Para lá ele leva todas as sobras que recolhe da cidade e em seu quintal há um vasto jardim com várias espécies de flores, além de pés de fruta. Malva, Antúrio, Cravos, Comigo Ninguém Pode, Bromélias, Lírios da Paz, Orquídeas e outras espécies existem no jardim que poucos têm o prazer de apreciar.
Se ninguém vai ao jardim de Sêu Nico, ele leva um pedaço do jardim às pessoas. Poucos veem, mas quando sai a perambular pelas ruas durante as madrugadas, Maximínio amarra mudas de orquídeas por algumas árvores da cidade. Já amarrou orquídeas nas praças da Bandeira e Fernando Lopes e também nas árvores que margeiam a Rod. Prefeito João Pires Filho. Usando na cintura apenas uma faca velha de cozinha, cujo cabo está quebrado, Nico plantou com as próprias mãos a maioria dos antúrios que enfeitam a Praça da Bandeira: “Certa vez um morador me perguntou por que que eu tinha este zelo pela cidade. Se eu nasci aqui e ela me abriga até hoje, é minha obrigação cuidar dela”, diz.
Se engana quem acha que ele usa os horários do dia para descansar, nas manhãs e tardes cuida de seu jardim plantando novas mudas em restos de copos, garrafas pets e até monitores de computadores que recolhe do lixo. Uma de suas distrações é cuidar do pastor alemão que ele ainda não deu nome, mas que um dia foi de seu sobrinho, única companhia que compartilha em seu isolamento imposto pela surdez, fruto de uma doença de infância. Outra coisa que faz e se diverte sozinho é brincar de acertar o alvo, após dar precisos seis longos passos ele arremessa sua faca velha em direção a latinha de cerveja que deixa em cima de um latão velho, cheio de furos causado pelos seus arremessos sem sucesso.
Após ter sarampo aos sete anos de idade, Nico adquiriu uma deficiência auditiva que o passar dos anos só piorou. Hoje aos 71, sua audição só consegue captar aquilo que lhe é falado alto, bem próximo aos ouvidos. Em dias de chuva o som que escuta é zero, mas para ele o silêncio é o melhor companheiro de todos os dias. Não tem filhos e garante que nunca casou. Esculpido em sua humildade responde o que consegue ouvir com uma voz baixa e serena, que não se exalta jamais.
Hoje aposentado Sêu Nico dedicou parte de sua vida a trabalhar nas empresas da cidade. Em 1969 foi funcionário da Pedreira de Santa Isabel e de lá saiu uma semana antes do setor de ferradura, onde trabalhava, explodir matando seus ex-colegas de trabalho. Durante dois anos trabalhou como servente na Santa Casa de Misericórdia e durante 17 anos trabalhou na empresa Paramount Têxteis. No meio de cinco irmãos, alguns deles já falecidos, Maximínio foi o único que adquiriu paixão assídua pelas plantas, na infância foi morar e trabalhar com os pais na fazenda da família Cianflone e lá cuidava do jardim.
Em sua casa há poucos móveis, apenas um rádio que surpreende quem o visita. Em um balcão que separa a cozinha da sala um porta-retrato empoeirado traz a imagem de um Nico jovem com uma de suas sobrinhas no colo, num típico dia de família: “Hoje ela é uma mulher adulta muito bonita”, diz o Tio orgulhoso.
O homem que escolheu cuidar da cidade onde nasceu enquanto a maioria dos moradores dela dormem, consegue desta forma dar valor a si mesmo e ao seu trabalho. Assim como o avô imortalizado no nome de uma rua, Maximínio consegue se eternizar plantando flores pela cidade.
Matéria originalmente publicada na Ed. 1.060 do Jornal Ouvidor."
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