Esse é um dos livros de um escritor isabelense Armando
Machado, o “Machadinho”. Selecionou cento e uma
crônicas escritas por ele nos jornais Voz
Ativa e Novo Tempo. Tudo isso ao
longo de dez anos, entre 1985 e 1995.
Com um teor regional e isabelense, após muito lermos, notamos
que seu trabalho é mais abrangente. Suas histórias ocorreriam em qualquer
cidade. Só que como membro da cidade, ele cria belos contos por toda a Santa
Isabel. De sua época.
Entre outras de suas obras estão Sem Prorrogação (1978) e Linha
de Fundo (1986) da categoria teatro.
Foi publicado pela Editora Terra Brasilis, com prefácio de Gilberto
Antônio Batista Neve, “Giba”. Com 228 páginas.
A seguir uma das crônicas desse livro, O bailarino:
“A autoridade de plantão
foi informada pelo telefone, de que havia um elemento estranho dançando na
Avenida Brasil. As coisas não andam bem, se sabe. Está todo mundo, como diria o
meu amigo seu Werneck, chamando urubu de meu louro, mas dançar de madrugada, em
plena Avenida Brasil, só poderia ser coisa de louco. A fim de tranquilizar a
população daquele ordeiro bairro, uma Rádio Patrulha dirigiu-se para o local
indicado pelo denunciante anônimo e, de fato, lá estava o sujeito que se
movimentava de um lado para outro numa atitude característica de quem ensaiava
passo de balé clássico. A primeira impressão que os policiais tiveram foi a
mesmas de qualquer pessoa normal, policial ou não.
-O cara é doidinho de
pedra. – disse um deles
-Não tenho dúvidas. –
concordou o outro.
-E agora o que é que a
gente faz? O cara está na dele. Dançar não é crime. Não vejo embasamento legal
para prendê-lo.
Pareceu mais lógico para
os policiais tentar um contato. Afinal, é conversando que a gente se entende.
-Algum problema aí,
cavalheiro? – perguntou o motorista da viatura.
A misteriosa figura não
respondeu e continuou no seu leve bailado. Movimentava-se concentrado numa música
que, possivelmente, só ele ouvia. Em circunstâncias normais, à luz do dia, por
exemplo, os policiais iriam embora e deixariam o bailarino envolto em sua arte.
Mas um deles observou que, caso o bailarino parasse de se movimentar, congelaria.
A umidade e a friagem da noite estavam mais propícias para um congresso de
pinguins do que para um espetáculo de balé. A coisa estava nesse pé quando um
dos policiais sugeriu que fossem embora e deixassem o sujeito em paz:
-O cara não está
perturbando ninguém. Muito pelo contrário, ele é quem deveria estar aborrecido,
pois propicia um espetáculo à luz do poste e não tem sequer uma platéia que o
aplauda.
-Espetáculo? Você disse
espetáculo? – Questionou um outro policial.
-Claro! Pode até não ser
dos melhores, mas eu já vi coisa pior.
-Onde?
-Não interessa. Qual a
sua idéia?
-Muito simples. O que
espera o artista, quando se apresenta em público?
-E de que forma a plateia
manifesta esse reconhecimento?
-Aplaudindo, é claro.
-Então, vamos
aplaudi-lo. Ele entenderá que o espetáculo terminou e irá embora.
Não deu outra. Os
policiais juntaram-se diante do bailarino e o aplaudiram fervorosamente. O
artista curvou-se duas ou três vezes como se agradecendo à entusiasta plateia e
retirou-se. Sem violência, com bom senso e inteligência os componentes daquela
viatura policial resolveram e, é claro, também foram embora.
Coisa de uma hora
depois, quando as altas e sonolentas horas da madrugada se faziam ainda mais úmidas
e frias, a autoridade de plantão pelo telefone, que havia um elemento estranho
dançando na Avenida República, próximo à Praça da Bandeira.
Junho/93”
Há um vídeo inspirado nessa crônica.
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