segunda-feira, 8 de agosto de 2016

"Pelos Estreitos Becos da Vida" de Armando Machado

Esse é um dos livros de um escritor isabelense Armando Machado, o “Machadinho”. Selecionou cento e uma crônicas escritas por ele nos jornais Voz Ativa e Novo Tempo. Tudo isso ao longo de dez anos, entre 1985 e 1995.
Com um teor regional e isabelense, após muito lermos, notamos que seu trabalho é mais abrangente. Suas histórias ocorreriam em qualquer cidade. Só que como membro da cidade, ele cria belos contos por toda a Santa Isabel. De sua época.
Entre outras de suas obras estão Sem Prorrogação (1978) e Linha de Fundo (1986) da categoria teatro.
Foi publicado pela Editora Terra Brasilis, com prefácio de Gilberto Antônio Batista Neve, “Giba”. Com 228 páginas.
A seguir uma das crônicas desse livro, O bailarino:
“A autoridade de plantão foi informada pelo telefone, de que havia um elemento estranho dançando na Avenida Brasil. As coisas não andam bem, se sabe. Está todo mundo, como diria o meu amigo seu Werneck, chamando urubu de meu louro, mas dançar de madrugada, em plena Avenida Brasil, só poderia ser coisa de louco. A fim de tranquilizar a população daquele ordeiro bairro, uma Rádio Patrulha dirigiu-se para o local indicado pelo denunciante anônimo e, de fato, lá estava o sujeito que se movimentava de um lado para outro numa atitude característica de quem ensaiava passo de balé clássico. A primeira impressão que os policiais tiveram foi a mesmas de qualquer pessoa normal, policial ou não.
-O cara é doidinho de pedra. – disse um deles
-Não tenho dúvidas. – concordou o outro.
-E agora o que é que a gente faz? O cara está na dele. Dançar não é crime. Não vejo embasamento legal para prendê-lo.
Pareceu mais lógico para os policiais tentar um contato. Afinal, é conversando  que a gente se entende.
-Algum problema aí, cavalheiro? – perguntou o motorista da viatura.
A misteriosa figura não respondeu e continuou no seu leve bailado. Movimentava-se concentrado numa música que, possivelmente, só ele ouvia. Em circunstâncias normais, à luz do dia, por exemplo, os policiais iriam embora e deixariam o bailarino envolto em sua arte. Mas um deles observou que, caso o bailarino parasse de se movimentar, congelaria. A umidade e a friagem da noite estavam mais propícias para um congresso de pinguins do que para um espetáculo de balé. A coisa estava nesse pé quando um dos policiais sugeriu que fossem embora e deixassem o sujeito em paz:
-O cara não está perturbando ninguém. Muito pelo contrário, ele é quem deveria estar aborrecido, pois propicia um espetáculo à luz do poste e não tem sequer uma platéia que o aplauda.
-Espetáculo? Você disse espetáculo? – Questionou um outro policial.
-Claro! Pode até não ser dos melhores, mas eu já vi coisa pior.
-Onde?
-Não interessa. Qual a sua idéia?
-Muito simples. O que espera o artista, quando se apresenta em público?
-O reconhecimento da plateia.
-E de que forma a plateia manifesta esse reconhecimento?
-Aplaudindo, é claro.
-Então, vamos aplaudi-lo. Ele entenderá que o espetáculo terminou e irá embora.
Não deu outra. Os policiais juntaram-se diante do bailarino e o aplaudiram fervorosamente. O artista curvou-se duas ou três vezes como se agradecendo à entusiasta plateia e retirou-se. Sem violência, com bom senso e inteligência os componentes daquela viatura policial resolveram e, é claro, também foram embora.
Coisa de uma hora depois, quando as altas e sonolentas horas da madrugada se faziam ainda mais úmidas e frias, a autoridade de plantão pelo telefone, que havia um elemento estranho dançando na Avenida República, próximo à Praça da Bandeira.

Junho/93”

Há um vídeo inspirado nessa crônica.

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